MADRID – Seguindo a europeização dos nossos clubes, nós, Cromos da Bola S.A.D., atravessámos a fronteira e constatámos que o futebol português está na moda. E tudo se deve, sem grande margem para discussão, à popularidade magnetizante de Eliseu e Zé Castro, os verdadeiros embaixadores do perfume de futebol português. Alguns dirão que será por causa de um tal de Mourinho e desse garoto, o Cristóvão Ronaldo, mas não vos iludais. Os espanhóis gostam de coisas genuínas e não de produtos de marketing. Os sinais da paixão castelhana pela essência do futebol luso estão aqui, um pouco por todo o lado, da Plaza Mayor até às Ventas.
Na verdade, já em tempos demonstrámos o fascínio particular de que Vado goza junto de nuestros hermanos. É verdade; não há sinal de estacionamento proibido que se preze que não preste culto a Vado, como que a dizer, “se prevaricares, caro condutor, ficai sabendo que Vado vê tudo e não perdoará”. Está tudo nos versículos de Autuori, XVI-4, conforme referido por João Catatau na sua Grande Bíblia dos Sinais de Trânsito.
Vado consegue ser tão omnipresente que alguns sinais mais fundamentalistas advogam mesmo “Vado Permanente”. E se a moda pegasse? E se outros jogadores do nosso campeonato começassem a servir de complemento a sinais de estacionamento proibido? Será que iríamos parar para pensar? Será que cederíamos à tentação de ficar mesmo ali em vez de dar mais uma volta pelo quarteirão?
Talvez sim. Talvez esse seja só um mérito atribuível a Vado. Mas há uma coisa que Vado não consegue nesta cidade e que Secretário, de forma fantástica, chama a si com todas as forças: estar entalado entre Roberto Carlos e Seedorf na galeria de jogadores que ostentaram a camisola do Real Madrid, no respectivo museu.
E assim, Secretário saboreia oficialmente toda a glória que Beto bem almejou sem nunca conseguir. E, com a sorte de Beto, o mais provável era ele acabar entalado não entre dois nomes de dimensão mundial, mas entre personalidades da gama de Balboa ou de Totti. Disse Totti? Desculpem, eu queria era dizer “Tote”, esse delicioso avançado que fez escola como porta-coletes nos treinos no Estádio da Luz. Se Secretário pode, porque não Tote?
Mas o Real Madrid, magnânimo, tem coração suficientemente majestático para albergar mais individualidades do futebol indígena. Por exemplo, aqui é possível ver Zeferino, no canto superior esquerdo, defendendo as cores da Guiné no museu do Real Madrid, ao lado de Beckham, Puskas e novamente Seedorf. Nem nos mais distorcidos jogos de Football Manager seria possível imaginar semelhante combinação.
E há mais. Nesta parede, é possível captar-se parte do nome da formiga atómica que foi César Prates, o homem de passo galopante e calções curtos; a foto fugidia do companheiro PALOP de Zeferino, o cabo-verdiano Tinaia, outra promessa que ficou para cumprir num destes dias, provavelmente quando Portugal voltar a ser um país com excedente orçamental; e os portugueses, que incluem um tipo que perdeu o título de “next big thing” para Simão aos pontos, Edgar, indiciando que até o Real Madrid acredita em novos Eusébios de vez em quando. O Pepe não foi considerado nem como Brasileiro nem como Português, mas sim como uma “Máquina de Destruição em Movimento”, e foi colocado no espaço junto à máquina de café e à trituradora de papel.
De todos eles, Secretário é o nome que mais perplexidade gera nos madrilenos e facilmente constatámos isso. No museu, quando apontámos para Secretário, todos encolheram os ombros, entre algumas risotas do género “isto é para os apanhados?”, e houve mesmo quem julgasse que havíamos vandalizado o museu com aquela fotografia – para nosso azar, era o segurança e acabámos expulsos e a fugir da polícia pela Castellana abaixo. Não desistimos e vogámos pela cidade à procura de respostas, passando pela Plaza de Cibeles, onde já se aglutinava uma pequena multidão para comemorar mais um cabeceamento ao primeiro poste de Zé Castro ou um espectacular pontapé de canto de Eliseu. No meio de tanta celebração, tinha de haver alguém em Madrid que soubesse quem era o Secretário.
Reparámos naquele senhor que se dirigia para o portão do Palácio Real e questionámo-lo sobre Secretário. Ele era austríaco, achámos nós, e o máximo que aconteceu foi ele mostrar-nos a foto da filha que mantém numa cave há 15 anos alimentada a marmelada e a croissants aos quais o Pedro Barbosa só comeu o fiambre e deixou o queijo. Ou há 50 anos, percebemos mal alemão com sotaque. Depois abordámos aquele senhor vestido de azul que descansava junto às grades e que parecia muito sábio. Ele disse que sim senhor, lembrava-se perfeitamente do Edgar e nutria uma enorme devoção pelo Vado, mas Secretário nada. Estávamos prontos para falar com toda a gente desta praça até que a pessoa mais à direita ouviu as nossas preocupações, veio ter connosco e nos disse que sim, que sabia quem era Secretário e nos pediu educadamente para pararmos com estas perguntas, que era assunto sensível e tal. Essa pessoa pediu-nos anonimato, mas depois fomos beber uma caña de cerveza e comer uma tapa com ela no Mercado de S. Miguel e ficámos a saber que era uma tipa chamada Paula e que era muito boa na organização de eventos para grupos numerosos.
A Paula perguntou-nos se conhecíamos alguém que gostasse muito de brincadeira e nós recomendámos-lhe o Abiodun. Ela ficou agradada, embora nos tenha confidenciado que preferiria o Bodunha. Nós dissemos-lhe que também preferiríamos o Bodunha, porque compreende a ética kantiana como mais nenhum outro lateral, mas só o Abiodun é que tinha e-mail, porque o Bodunha ainda anda às voltas com o MS-DOS. Gravámos o contacto dele num presunto ibérico e oferecemo-lo à Paula, mas achamos ela não vai ter sorte, porque o Abiodun, para além de não saber parar uma bola, detesta spam e não costuma abrir attachments de gente que não conhece.
Antes de nos virmos embora, passámos ainda pelo estádio do Atlético. É um estádio esquisito, que tem uma via rápida a passar sob uma bancada, o que, no caso dos Super Dragões, daria um jeitaço enorme, porque podiam mandar simultaneamente bolas de golfe para os jogadores dentro do estádio e para o autocarro do Benfica na estrada.
E foi lá que pudemos ver o outro português que fez história nesta cidade, Paulo Futre. Estava lá com as maluquices dele, a fintar os automóveis junto ao estádio com o seu fabuloso pé esquerdo, concentradíssimo como sempre. Vale.
1 comentário:
é uma risada aquele museu do real. tote, balboa, secretário, tinaia, julio cesar (central brasileiro, lembram-se dele?) só faltava lá mesmo o beto. é uma pena a foto do balboa não andar por aqui
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